Notario 52
Bogotá D.C., Colombia
4. O dilema entre legislar ou deixar tudo na mesma.
É axiomático que o direito sempre ficará aquém da realidade factual, e o primeiro dificilmente pode antecipar inteiramente o contexto em que o comportamento humano se desenvolve, que nunca é linear e raramente se torna racional. Muito menos, o direito tem a pretensão de disciplinar os efeitos e consequências decorrentes da miríade de interferências comportamentais, às quais uma norma jurídica se dirige para regular a matéria e estabelecer os resultados correspondentes. Com relação à barriga de aluguel, os países adotaram uma das 3 (três) soluções possíveis: 1) proibir, 2) permitir livremente e 3) permitir sob condições estritas. Como já vimos, França e Espanha têm regulamentos expressos que proíbem a gestação de substituição e sancionam qualquer negócio deste tipo com nulidade absoluta. Permitem, mesmo com compensação, mas sem motivação comercial: Canadá, Reino Unido, Austrália, África do Sul. Em Cuba, chama-se "gestação solidária". Com compensação financeira: Rússia, Ucrânia, Israel, Geórgia, Cazaquistão, Bielorrússia e alguns estados dos Estados Unidos. Sabe-se que a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (HCCH) está a preparar um acordo-quadro sobre gestação de substituição para permitir que uma criança nascida no ventre de outra pessoa seja registada no país onde residem os pais comissionados.
Enquanto isso, na Colômbia, quando a Corte entendeu que emitir um mandato ao Congresso era "letra morta", já que 16 projetos de lei apresentados na última década falharam no processo legislativo, então o mandato foi endereçado ao Poder Executivo, que cumpriu diligentemente seu dever. De fato, os Ministros da Justiça e do Direito e da Saúde e Proteção Social apresentaram, dentro do prazo estabelecido pela Corte Constitucional, o Projeto de Lei "Por meio do qual a gestação de substituição uterina para gestação é regulamentada na Colômbia", com 30 artigos que visam amplamente cumprir o mandato da Corte. A proposta passou a defini-lo como "um contrato bilateral, livre, aleatório e solene, por meio do qual a parte comissionada e a gestante de aluguel acordam a gestação de substituição uterina". A gratificação, sem prejuízo do acordo de "compensação", para indemnizar "os danos consequentes e perda de rendimentos que sejam a causa direta dos esforços que a pessoa grávida deve fazer para cumprir com suas obrigações nos termos do acordo". A solenidade do contrato seria assegurada com a intervenção do Tabelião para exercer um rigoroso controle de legalidade, antes de proceder à autorização da correspondente escritura pública, e deixa bem claro que a filiação, independentemente da contribuição genética da gestante substituta ou de seus "mandantes" contratantes, se estabelece exclusivamente neles. Também é destacada na proposta a proibição da "retratação bilateral", a fim de impedir qualquer negociação posterior que proíba o arrependimento dos diretores, e nela autorize o aborto por razões médicas antes de 24 semanas de gestação, bem como a obrigação inalienável de entregar o recém-nascido aos diretores.
No entanto, um mês depois, o governo abandonou a iniciativa, e o projeto foi arquivado, pois havia forte oposição do Comitê de Monitoramento à Lei 1257 de 2008, que, com base na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1981), na Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (1995), e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Belén do Pará, 1994), considerou que o projeto promovia a "violência contra a mulher". Ele afirmou que "a gestação de substituição uterina conflita com o direito à integridade física, sexual e psicológica da mulher, uma vez que sua decisão autônoma sobre seu corpo e sua integridade está sujeita, por meio de contrato civil, à vontade de outrem". O Projeto continha, contudo, proibições expressas para impedir tais transgressões aos direitos das mulheres, como constam em sua exposição de motivos dos ministros Néstor Osuna e Carolina Corcho. Estas foram fortemente criticadas, porque o governo "chegou ao poder agitando bandeiras feministas e progressistas" e, com este projeto de lei, foi contra "os direitos humanos e os acordos internacionais sobre a eliminação da violência contra as mulheres". Também questionaram eticamente a exortação da Corte Constitucional, e a Comissão concluiu categoricamente: "A única legislação possível para a gestação de substituição uterina é a que prevê a sua proibição".
Assim, a situação de vácuo jurídico continua, pois como disse um viajante indeciso, ao retomar uma viagem extensa e agitada depois de já ter percorrido metade da longa jornada: "Não continuo, não volto, mas também não fico". Então, hoje, a barriga de aluguel continua a crescer na Colômbia. E enquanto não for proibido, como aspiram algumas organizações de mulheres, incluindo a importante Comissão referida, os casos estão a aumentar e há cada vez mais instituições de saúde, autorizadas pelo Governo, que realizam os procedimentos que visam cumprir as obrigações decorrentes dos contratos de substituição uterina. Em torno desse problema, criou-se um "mercado de crianças", toda uma atividade regida pela lógica da economia, ou seja, com o único objetivo de maximizar os lucros dos agentes que nele intervêm. Essa dinâmica, desde que haja pessoas ou famílias dispostas a atingir seus objetivos pagando o que está dentro do seu limite orçamentário, não aborda questões éticas. Entre outras coisas, porque argumentam que também é respeitável considerar que a família é a célula essencial da sociedade, e a educação dos filhos fomenta projetos de vida em ambientes familiares para além do casal.
O espírito de liberdade e progresso de que falamos antes, numa sociedade pós-moderna caracterizada por uma estrutura familiar diferente da estendida do século passado, mostra-se preponderantemente nuclear e monoparental, o que anda de mãos dadas com a nova concepção das relações entre pais e filhos, a irrupção de modos de pensar que rompem os moldes sociais, a rejeição das formas tradicionais de casamento, do modelo e do papel dos pais e das mães. Entramos na esfera de uma sociedade pós-moderna, líquida, nos termos de Bauman, de relações inconsistentes, com necessidades e atitudes que não acompanham as respostas que as instituições deram em épocas passadas. Tal ruptura gera uma crise, que nos obriga a reconceituar a própria família e sociedade, a comunidade de vida e de bens e a singularidade do casal.
5. Filiação materna no Código Civil: substituída o revogada?
A filiação, que foi provada judicialmente de várias maneiras, sob um regime de liberdade condicional na Colômbia, sofreu uma mudança drástica a partir da Lei 721 de 2001. Desde então, as provas testemunhais, os exames de traços antropomórficos e as regras sobre a notoriedade da filiação, baseadas no tratamento e na fama, ficaram para trás. A ciência genética tem colapsado toda a estrutura demonstrativa dos códigos processuais, uma vez que, mesmo de ofício, o juiz tem a inescapável obrigação de decretar o exame de DNA com a utilização dos marcadores genéticos necessários para atingir o percentual de certeza indicado nos mesmos regulamentos como superior a 99,99%. Uma contradição, pois se a família pode ser constituída, segundo o artigo 42° da Constituição, "por laços naturais ou jurídicos", há algo mais natural do que a filiação existente entre um homem, e/ou uma mulher, e outra pessoa, derivada do reconhecimento público e notório de que professam? Da mesma forma, a adoção é uma forma de estabelecer a filiação, que é eficaz sem a necessidade de se considerar biologicamente real. Considerando, então, que a filiação é pacificamente definida pela doutrina e pela jurisprudência como a situação de uma pessoa na família e na sociedade, as normas e sentenças emitidas, primeiro com base na aplicação direta da Constituição, e depois, sob a proteção do Código Geral de Processo (Lei 1564 de 2012) que ratificou o critério objetivo da "verdade biológica", o artigo 386 da Prática Obrigatória de Teste Genético prevê um esclarecimento conceitual sobre o assunto.
Assim, o direito à identidade, entendido como um conjunto de atributos que definem uma pessoa, permitindo que ela se reconheça como um indivíduo sem igual, bem como diferente dos demais, passa por sua filiação que, segundo a Corte, é a "real", ou seja, aquela que coincide com a "única realidade biológica" graças à ciência. As partes, apontou a corporação judicial, só têm de "discutir, desde o início, a idoneidade científica de quem realiza o teste, o que inclui não só os profissionais, mas também os laboratórios que atuam na colheita das amostras que são necessárias (...)" (acórdão C-476 de 2005). Significa que se uma pessoa ao longo de sua existência ocupou um lugar na família, porque foi de livre vontade de um pai ou de uma mãe reconhecê-la como criança, apesar dessa situação que não é ficção, de nada adianta se for comprovada por evidências científicas, ainda baseadas nos marcadores genéticos do DNA, que não há coincidência, com o pai ou com a mãe, conforme o caso.
No caso ilustrado neste escrito, a impugnação à filiação materna da gestante de substituição acolhida pela decisão do Tribunal ignorou o disposto no artigo 335° do Código Civil, segundo o qual a maternidade "pode ser impugnada mediante prova de falso parto, ou suplantação do filho pretendido ao verdadeiro". Em outras palavras, contrario sensu, presume-se que a mulher que deu à luz um filho é a mãe e essa filiação, embora não faça parte da categoria de presunções de direito, só pode ser questionada em um julgamento cuja finalidade se limita a duas circunstâncias fáticas, que devem ser plenamente provadas: 1) "falso nascimento", ou 2) imitação da criança. A sentença limitou-se a verificar a prova documental do DNA, sem se pronunciar, como era seu dever, sobre a regra do Código Civil supracitada. Foi uma omissão grave, pois se rebelou contra o texto legal vigente. No entanto, o juiz poderia perfeitamente questionar a validade do artigo 335° do Código, em oposição ao disposto na Lei 721 de 2001 e no Código Geral de Processo, como suporte a uma derrogação tácita da regra contida no estatuto de 1887. Um Código que dificulta a construção de todo um andaime jurídico sobre o qual apoiar a gestação de substituição. No entanto, também não é possível fazê-lo com base em um axioma questionado à luz do direito moderno, como o de que o que não é proibido é permitido aos indivíduos, quando já existe um complexo doutrinário e jurisprudencial de reprovação por comportamentos que não são expressamente regulamentados, se violam o núcleo essencial de um direito fundamental de outrem, merecem sua rejeição e condenação.
É verdade que o Tribunal Constitucional instou mais do que uma vez o Congresso da República a legislar este novo método de fertilização, que serve de grande alívio para a concretização de projetos de vida com crianças. No entanto, a primeira coisa que precisa ser reformada, para adequá-la à proposta legislativa, é modificar a presunção de maternidade, estabelecendo exceções. Na medida em que o que o Supremo Tribunal Constitucional está a permitir é que, por acordo privado, seja revogado o artigo 335º do Código Civil, que consagra a maternidade ope lege pelo simples facto do parto. Ele ainda é filho da mãe que a mulher lhe dá ao mundo, que o gestava e lhe deu à luz.
6. Conclusões.
1. Em princípio, a reprodução humana assistida é benéfica para pessoas que aspiram a ter uma família e não podem alcançá-la por várias razões. E, sem dúvida, contribui para frear o acelerado despovoamento do mundo, que se torna alarmante em países como Japão, Coreia do Sul, Espanha e, em poucos anos, na Colômbia e em outros países da Região, como Cuba, Porto Rico, Chile e Uruguai. No entanto, na ausência de regulamentações que permitam o controle rigoroso dos centros médicos que realizam tais atividades, o panorama torna-se complexo e extremamente perigoso do ponto de vista da bioética. Em nosso país, já se fala de toda uma "indústria da fertilidade", nome que por si só choca à primeira vista. E seguindo modelos promovidos no Chile, os planos estratégicos são desenhados para orientar novas organizações com "portfólios" de negócios para possibilitar "propostas de valor" pensando no "cliente", que é majoritariamente feminino. Isto é o que podemos ver em uma página do Exeltis SAS: (https://repositorioslatinoamericanos.uchile.cl/handle/2250/2941565).
2. Há muitas implicações legais, sociais e éticas envolvidas na gestação de substituição ou na gestação de substituição. Há argumentos do mesmo tipo para admitir ou condenar esse acordo anônimo. Assim sendo, o apelo do Tribunal é para um debate democrático, antes da sua regulamentação ou proibição.
3. Os efeitos decorrentes de um contrato de gestação de substituição exigem uma legislação que rompa com os moldes do direito privado tradicional. Deve basear-se em uma conceituação que vai do direito constitucional ao direito de família, e leva em conta os conflitos de direitos fundamentais que podem estar em jogo.
4. A filiação materna, como foi o caso da filiação paterna, terá de ser reformulada à luz da aceitação constitucional das técnicas de reprodução assistida.